sábado, novembro 25, 2006

Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza.

O que querem que façamos?(ouve-se um corpo estranho constituído por 6 vozes perguntar) do público uma voz feminina e fininha diz: "Ó Vera podias dançar..."

Assim se passou ontem no Grande Auditório da Culturgest por volta das 21.30. A sala não estava cheia de gente, mas estava cheia de expectativas. Vera Mantero, bailarina e coreógrafa iria apresentar a sua última criação que já tinha sido apresentada em França. Os rumores corriam: "Não é muito conseguida";"Funciona muito bem!". Só vendo é que as dúvidas se podiam dissipar. O que mais me agrada nestes espectáculos é a postura do público, gosto quando alguém se chateia e a meio do espectáculo, nos silêncios coreografados começa a opinar. Depois - automaticamente -criam-se duas facções no público, uma que manda calar toda a gente(até mesmo quando a peça pede a participação do público) e outra que não se faz rogada e mete o nariz e opina e fala mal e fica confusa porque afinal a Vera é de Dança e que raio de dança é aquela?! Como alguém inexperiente nestas coisas que estava ao meu lado me perguntava: "Mas ela não vai dançar? quando é que ela dança?"

De facto a Vera não dançou, ou pelo menos a dança dela não se encaixa naqueles rótulos tão simpáticos que servem para catalogar os espectáculos. Mas a Vera também não nos tinha dito que o seu espectáculo era de dança... Na folha de sala que era distribuída este espectáculo pertencia ao território da performance, ou seja, aquele público foi esclarecido, as suas expectativas é que não (e as expectativas devem ser esclarecidas pelo próprio e não por aquele que apresenta a sua criação). O que apresenta a sua criação o máximo que pode fazer é corresponder a essas expectativas, ou não.

Agora: será que gostei ou não?
Em primeiro lugar senti que aquele corpo que falava em uníssono era bem conseguido, as vozes misturavam-se e por muito que os meus olhos e ouvidos tentassem desvendar cada voz por si era difícil, já para não dizer impossível. Contudo, julgo que fosse esse o objectivo e nesse sentido era interessante, porque avaliando cada um daqueles intérpretes por si cheguei à conclusão que cada um deles era uma personagem,tinha a sua particularidade bem demarcada mas quando se expressavam faziam-no em uníssono e de uma forma igualmente estranha, ás vezes viscosa e monstruosa. Um dos momentos que achei particularmente interessante foi quando cada um deles começou a desvendar o que seria a morte. De repente, aquelas vozes separaram-se e cada um começou a falar por si, a ganhar a sua individualidade, tornaram-se indivíduos e deixaram de "gostar de máquinas"

Acho também que houve momentos felizes do ponto de vista musical e assim lembrei-me continuamente da Meredith Monk e daquele "nonsense" musical. É-me complicado recordar ao promenor de cada parte do espectáculo, mas percebo que de uma forma geral fiquei surpreendida pelos caminhos que a obra tomou.

No que diz respeito às luzes, penso que o facto de ligarem as luzes da plateia em algumas situações não estava bem explorado. Penso que talvez houvesse melhores alturas para confrontar o público e pelo que a coreógrafa disse essa situação ainda não estava definida, estava em fase de experimentação. As luzes do palco pareceram-me interessantes e de alguma forma geométricas o que teria a ver com a movimentação dos intérpretes em apresentações anteriores. Os momentos em que o palco ficou sem luz (não me recordo se foi mais do que uma vez) agradaram-me pois a ideia de aquelas pessoas serem um só corpo, com uma só voz, que por vezes tinha diversas vibrações, era acentuada.

O cenário deixou me algumas dúvidas, não sei se foi a melhor solução, aquele meteoro remetia para uma certa estranheza, mas limitava-se a estar lá, não era "abraçado" pelos intérpretes.

A rapariga do público não viu o seu pedido satisfeito, a Vera não dançou para ela, mas para mim ela dançou.

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